"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".
(Eduardo Galeano)

De BOCAS DO TEMPO por EDUARDO GALEANO.

AS ARMADILHAS DO TEMPO

Sentada de cócoras na cama, ela olhou-o longamente, percorreu seu corpo nu da cabeça aos pés, como se estudasse as sardas e os poros, e disse:
- A única coisa que eu mudaria em você é o endereço.
E a partir de então viveram juntos, foram juntos, se divertiam brigando pelo jornal no café-da-manhã, e cozinhavam inventando e dormiam feito um nó.
Agora este homem, mutilado dela, quer recordá-la como era. Como era qualquer uma das que ela era, cada uma com sua própria graça e seu próprio poderio, porque aquela mulher tinha o espantoso costume de nascer com frequencia.
Mas não. A memória se nega. A memória não quer devolver a ele nada além desse corpo gelado onde ela não estava, esse corpo vazio das muitas mulheres que ela foi.


HISTÓRIA CLÍNICA

Informou que sofria de taquiacardia toda vez que o via, mesmo que fosse de longe.
Declarou que suas glândulas salivares secavam quando ele a olhava, mesmo que fosse por acaso.
Admitiu uma hipersecreção das glândulas sudoríparas toda vez que ele falava com ela, mesmo que fosse apenas por cortesia.
Reconheceu que padecia de graves desequilíbrios depressão sanguinea quando ele a roçava, mesmo que fosse por engano.
Confessou que por ele padecia de tonturas, que sua visão se enevoava, que seus joelhos afrouxavam. Que nos dias não conseguia parar de dizer bobagens e que nas noites não conseguia dormir.
- Foi há muito tempo, Doutor - disse. - Eu nunca mais senti nada disso.
O médico ergueu as sombrancelhas.
- Nunca mais sentiu nada disso?
E diagnosticou:
- Seu caso é grave.

É proibido ser curioso

O conhecimento é pecado. Adão e Eva comeram os frutos dessa árvore; e aconteceu o que aconteceu.
Algum tempo depois, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei sofreram castigo por terem comprovado que a Terra gira ao redor do sol.
Copérnico não se atreveu a publicar a escandalosa revelação, até sentir que a morte estava muito perto. A Igreja Católica incluiu sua obra no índex dos livros proibidos.
Bruno, poeta errante, divulgou pelos caminhos a heresia de Copérnico: o mundo não era o centro do universo, mas apenas um dos astros do sistema solar. A Santa Inquisição trancou-o durante oito anos num calabouço. Várias vezes ofereceram-lhe o arrependimento, e várias vezes Bruno se negou. Esse cabeça-dura foi enfim queimado, diante da multidão, no mercado romano de Campo dei Fiori. Enquanto ardia, aproximaram um crucifixo aos seus lábios. Ele virou o rosto.
Alguns anos depois, explorando o céu com as trinta e duas lentes de aumento do seu telescópio, Galileu confirmou que o condenado tinha razão.
Foi preso por blasfêmia.
Nos interrogatórios, desmoronou.
Em voz alta jurou que amaldiçoava quem acreditasse que o mundo se movia ao redor do sol.
E baixinho murmurou, dizem, a frase que lhe deu fama eterna.

Por Eduardo Galeano. "Espelhos - uma história quase universal"

Alguém conhece ninguém? Quantos ninguéns você conhece?

“As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza,
que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros;
mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.

Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:

Que não são embora sejam.

Que não falam idiomas, falam dialetos.

Que não praticam religiões, praticam superstições.

Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos.

Que não tem cultura, têm folclore.

Que não têm cara, têm braços.

Que não têm nome, têm número.

Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.”



De volta às palavras do mestre

Ando um pouco afastada da obra de meu mestre Galeano desde o fim da Oficina da Palavra.
Hoje acordei saudosa de suas palavras que, mesmo econômicas e contidas, provocam intermináveis e profundas reflexões. Sua obra é indispensável a todos os latinoamericanos que, por obra da constante exploração do continente por diversos agentes, foi sendo sempre relatada sob a ótica do vencedor e teve a sua verdade escondida, tímida, encolhida, esperando que alguém a resgatasse. Eduardo Galeano foi e vem sendo esta força, que nos revela com amor, ironia e poesia a cruel história de nosso povo.
Por muitos anos o Brasil esteve virado de costas aos nossos irmãos do Sul e para nós, a história de nosso continente e até a nossa própria esteve esquecida, camuflada e distorcida. Ela nem nos pertencia.
A partir do histórico Governo Lula, o país abraçou sua América Latina e finalmente passamos a olhar nossos vizinhos com fraternidade e propriedade, no sentido de compreendermos nossas particularidades, divergências e semelhanças e nossos projetos futuros que somente avançarão à medida que houver  integração ( que já vem acontecendo) e cooperação. É nesse novo contexto que grandes líderes populares emergiram na região e juntos buscam corrigir as desigualdades e injustiças históricas cometidas contra nosso povo. Precisamos amadurecer muito para chegarmos ao ponto de eleger em nosso continente grandes nomes como Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chavez, Lula, Fernando Lugo, os Kirschners e agora Dilma, deixando claro o desejo popular de libertar-nos do poder da elite que nos explorou por 500 anos.
Estamos mais perto de nossa utopia agora, mas seguiremos em frente a ponto de nunca alcançá-la, pois nossos sonhos serão sempre aprimorados e o ser humano, eternamente em construção, buscará sempre um mundo mais possível.
Deixo aqui poucas e boas palavras de Galeano para desejar um bom dia para todos.





A Televisão



A Tevê dispara imagens e reproduz o sistema e as vozes lhe fazem eco; e não há canto do mundo que ela não alcance. O planeta inteiro é um vasto subúrbio de Dallas. Nós comemos emoções importadas como se fossem salsichas em lata, enquanto os jovens filhos da televisão, treinados para contemplar a vida em vez de fazê-la, sacodem os ombros.
Na América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou jornal de escassa circulação. Os livros não precisam ser proibidos pela polícia, os preços já os proíbem.


Eduardo Galeano.

Noam Chomsky: As 10 estratégias de manipulação midiática

Noam Chomsky: As 10 estratégias de manipulação midiática
por Noam Chomsky*, em Adital



* Linguista, filósofo e ativista político estadunidense. Professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts


Tradução: Adital

O linguista Noam Chomsky elaborou a lista das “10 Estratégias de Manipulação”através da mídia.

1. A estratégia da distração. O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir que o público se interesse pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado; sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja com outros animais (citação do texto “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).

2. Criar problemas e depois oferecer soluções. Esse método também é denominado “problema-ração-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” previsa para causar certa reação no público a fim de que este seja o mandante das medidas que desejam sejam aceitas. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o demandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para forçar a aceitação, como um mal menor, do retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços púbicos.

3. A estratégia da gradualidade. Para fazer com que uma medida inaceitável passe a ser aceita basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. Dessa maneira, condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990. Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4. A estratégia de diferir. Outra maneira de forçar a aceitação de uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e desnecessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrificio imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Logo, porque o público, a massa tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5. Dirigir-se ao público como se fossem menores de idade. A maior parte da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade mental, como se o espectador fosse uma pessoa menor de idade ou portador de distúrbios mentais. Quanto mais tentem enganar o espectador, mais tendem a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Ae alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, em razão da sugestionabilidade, então, provavelmente, ela terá uma resposta ou ração também desprovida de um sentido crítico (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)”.

6. Utilizar o aspecto emocional mais do que a reflexão. Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional e, finalmente, ao sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de aceeso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, compulsões ou induzir comportamentos…

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade. Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais menos favorecidas deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que planeja entre as classes menos favorecidas e as classes mais favorecidas seja e permaneça impossível de alcançar (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade. Levar o público a crer que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto.

9. Reforçar a autoculpabilidade. Fazer as pessoas acreditarem que são culpadas por sua própria desgraça, devido à pouca inteligência, por falta de capacidade ou de esforços. Assim, em vez de rebelar-se contra o sistema econômico, o indivíduo se autodesvalida e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição de sua ação. E sem ação, não há revolução!

10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem. No transcurso dosúltimos 50 anos, os avançosacelerados da ciência gerou uma brecha crescente entre os conhecimentos do público e os possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem disfrutado de um conhecimento e avançado do ser humano, tanto no aspecto físico quanto no psicológico. O sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que ele a si mesmo. Isso significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior do que o dos indivíduos sobre si mesmos.